Elas não cansam de nos abordar. Insistem e persistem na tarefa de nos vender um ovo todo pintado, uma escultura, um chale. Como os produtos expostos por cada uma são exatamente iguais aos da concorrência que mora ao lado, ganha quem for mais persuasiva ou quem tiver o poder de cansar ou de deixar o potencial comprador mais sem graça. Se você decide negociar o preço, aí é que o diálogo é interminável. Se depender delas, a compra será realizada de qualquer jeito.
Se você pergunta para essas mulheres se são felizes, a resposta é afirmativa, mas você fica com a impressão de que, na verdade, aquele ato de sacudir a cabeça para cima e para baixo é apenas automático. No fundo, não sabem o que você está querendo dizer com o conceito de “felicidade”.
Enquanto isso, nas costas das artesãs/vendedoras, moram aqueles “filhotinhos de inca”: bebês e criancinhas de bochechas vermelhas devido à exposição ao frio, quase todos com aquele nariz escorrendo ou com a meleca já endurecida. Passam o dia inteiro presos às mães por intermédio daquelas mantas – acredito até que devam fazer xixi por lá mesmo. É uma pena saber que deixarão de ser fofos com o passar dos anos...
As crianças já mais crescidas vestem roupas típicas e passam o dia segurando ovelhinhas ou ao lado de llamas para ajudar suas mães na constante tarefa de obter soles (moeda local) dos turistas: elas se oferecem para tirar fotos em troca de umas moedas.
O povo peruano é simpático, alegre e vive praticamente para o turismo em um país que, definitivamente, não está acompanhando a evolução tecnológica do século XXI. Os habitantes que conseguem a oportunidade de estudar passam de quatro a cinco anos na faculdade para aprender cada detalhe sobre a história dos incas. Esse é o caminho para se tornar um guia turístico.
Não estou querendo dizer que são desconectados do mundo! Claro que é possível encontrar cafés com internet em Cusco, na capital inca, ou em Águas Calientes, que dá acesso a Machu Picchu. Na ilha Taquile, situada na cidade de Puno e onde moram apenas 2.500 pessoas, muitos consomem Coca-Cola – esse é um hábito estranho de se ver, porque os nativos, ao mesmo tempo, conservam tradições como a de usar acessórios e roupas que indicam, por exemplo, quem é solteiro ou casado. Além disso, a população segue regras conservadoras como a que proíbe qualquer um que não nasceu na ilha de exercer nela qualquer tipo de atividade, mesmo que seja para a sua própria sobrevivência.
Se você faz uma visita ao Mercado Central de Cusco, o impacto é muito grande. Nessa espécie de “Cobal peruana”, encontra-se desde mais de dez tipos de batata, milho roxo, até... cabeças de ovelha, galinhas penduradas, cuys (um bichinho pequeno e fofo), alpacas, etc – tudo exposto nas bancadas, sem a menor higiene, enquanto os filhotinhos de inca brincam ali perto, próximo às poças de sangue desses animais já secas no chão. Não sou nem um pouco fresca, mas a cena depois de um tempo acabou me enjoando. Não foi a imagem dos bichos mortos em si, mas todo o cenário: uma realidade que realmente me chocou.
Esqueci de falar do trânsito: não existem regras. Preferência? O que é isso? Vence quem for mais rápido e corajoso. A ordem é buzinar, buzinar, buzinar e fazer o que quiser. Não é à toa que passei grande parte do tempo que fiquei dentro de táxis com os olhos fechados. Sem falar que a frota de veículos do país deve ter sido adquirida antes dos incas pensarem em existir...
Mais do que conhecer os vestígios do império inca e sofrer com o soroche, ao viajar para a alta altitude de Cusco, Machu Picchu e Puno, você ganha a chance de ver que existe muito, mas muito mais, nesse mundo do que essa vidinha ocidental e confortável que a gente vive.
Por trás da ignorância desse povo, resultante da falta de acesso à educação, existe uma história que vem sendo estendida e preservada, que dá as costas para qualquer debate sobre inovação, economia de mercado, ou aquecimento global. A impressão que dá é que essas pessoas só querem manter seu direito de continuar no mesmo lugar, produzindo suas chompas de alpaca, se reproduzindo e juntando dinheiro para se alimentar.
Os diversos sorrisos que obtive deles nesses oito dias que fiquei lá me incomodaram. Isso porque fui obrigada a sair da minha zona de conforto para refletir. “Como eles conseguem ser tão simpáticos com essa vida que levam?”, me perguntei diversas vezes. Acabei concluindo que estava fazendo a pergunta errada, baseada em suposições pré-conceituais. QUEM DISSE QUE A VIDA QUE A GENTE LEVA É MELHOR?
(Vou postar dicas de viagem para esses locais que visitei... Aguardem!)