segunda-feira, janeiro 22

Acostuma-se com a sombra. Dolorosa, mas previsível. Quando os primeiros raios solares finalmente reaparecem, mesmo que tímidos, mas sem aviso prévio, os olhos resistem, é difícil abri-los. Admitir o medo é um ato de coragem. É reconhecer que se é frágil, que se tem um passado que ainda traz lembranças penosas.

Antes da sombra, havia muita escuridão. Breu total. Foi preciso decretar o fim do tempo, concentrar-se apenas no presente, ignorando o passado e negando o futuro. Medo de que o mesmo filme fosse parar de novo no retroprojetor. Seria demais, seria insuportável. Nunca se pode dizer que já sofreu o bastante, afirmar que dor maior não existe.

A sobriedade e o auto-conhecimento têm seu preço. Como eu já disse, consegui deixar o breu. Estava na sombra e agora talvez esteja em contato com o mormaço - digo "talvez", porque posso estar próxima ao sol, mas por medo, estar chamando-o de outro nome. Sigo em frente, mas às vezes me pego querendo imitar um caranguejo - é o costume. A sombra é a linearidade, o "porto seguro". A lembrança da escuridão ainda é forte. Quase sempre me pego negando essa proximidade. Mas uma situação parecida, uma palavra repetida, um contexto familiar me remetem à ela. Quando isso ocorre, tenho o impulso de fugir. De jogar para o alto qualquer reflexão mais apurada sobre o que sinto, ou o que penso. De brincar de estátua.

Admitir o medo é um ato de coragem. É reconhecer que se é frágil, que se tem um passado que ainda traz lembranças penosas. Tocar no centro da ferida já é um ato a mais. Acho que ainda não estou preparada.

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